4Nietzsche
não mora mais aqui
Mirtes é uma mulher feliz. Tomou muito guaraná
em pó para levantar o astral. Astral que andou meio em baixa desde
que seu amante a esnobou. Emprego fixo ela não tem. Distribui flyers
nos bares, vende trufas ao rum para a vizinhança, faz figurações
em comerciais de TV. Muito truque, bastante verniz. Seu sonho é ser
uma estrela, brilhar. Mas ultimamente seu programa se resume a freqüentar
os shows gratuitos aos domingos no Parque do Ibirapuera. Para terminar o
dia, nada melhor do que um baseado com os amigos em sua kit alugada no Copan.
Mirtes aspira conhecer Paris ao lado de um grande amor, La Vie em Rose
ao fundo, na voz de Grace Jones, champagne para brindar. Mas seu atual desejo
é transar selvagemente com o vizinho do 153, um policial que é
a cara do Richerd Gere, segundo ela. Na última semana, Mirtes estava
lendo uma edição simplificada de obras de um filósofo
alemão de nome complicado. É preciso manter o caos dentro
de si. Foi essa a última frase que ela suportou do livro. Atirou
Nietzsche pela janela na mesma hora: caos uma ova, daqui para frente
apenas livros de auto-ajuda.
4Solteirinha da Silva
Marinalva vive buscando um pretendente para se casar. Já
abocanhou mais de 27 buquês em casamentos alheios. É só
a noiva anunciar que vai jogar o buquê, lá está ela
de prontidão na primeira fila. Marinalva diz que nesse momento
vale tudo: pular antes da hora, causar embaraço entre as concorrentes,
forjar um pisão nos pés das adversárias, empurrar
e até mesmo derrubar as convidadas. Mesmo assim, Marinalva ainda
não arranjou um marido. Na verdade, nem sequer fisgou um namorado.
Mas ela ainda acredita no dia em que estará jogando seu buquê
para outras Marinalvas. Afinal, são mais de quinze anos de espera.
Enquanto o dia tão esperado não chega, ela segura o buquê
da amiga. Foi convidada para ser madrinha e ficar ao lado da noiva no
altar. Só se for do lado esquerdo, lado do coração
e da aliança de casamento, condicionou ela ao aceitar o convite.
Quem sabe não era esse detalhe que faltava para a superstição
ser infalível.
4Alta tensão
As lâmpadas explodem quando acesas. TV é apenas chuviscos.
O rádio sofre interferências magnéticas. O computador
não tem mais memória e o despertador não acorda mais
ninguém. O microondas estala todos os objetos de vidro térmico.
Pilhas derretem nos controles remotos. O vídeo-cassete tritura
as fitas. O aspirador de pó solta sujeira acumulada. O freezer
não congela mais os alimentos e as bocas do fogão estão
entupidas. O telefone só dá sinal de ocupado. Chuveiro é
água fria. A lavadora de roupas não centrifuga. O interfone
ficou mudo e o papel é engolido pelo fax. O secador de cabelos
cheira queimado a toda hora. A secretária eletrônica só
grava quando quer. O marido arranjou outro rabo de saia. E para piorar
a situação, ela perdeu todas as garantias, levadas pela
correnteza na última enchente.
O
PAPO DO ROGÉRIO AUGUSTO
Fiz
uma oficina literária com o Rogério Augusto e estou até
agora de boca aberta, babando incontrolavelmente. O homem é um
prodígio. Especializou se em microcontos, textos curtíssimos,
jóias lapidadas a mão. Ele já tem um livro publicado
e mais textos irados vindo por aí. Fiquem de olho nele. O cara
é um perigo.
|