Paulo Coutinho é jornalista, pós-graduado em Comunicação e Marketing pela Faculdade Cásper Líbero e diretor da Artigo Comunicação - empresa que atua na área de Comunicação Empresarial. É também professor de cursos de extensão em Comunicação nessa mesma escola.
Povo da minha terra

Nascido no sertão da Bahia, Jason veio para São Paulo em 1954, por volta dos 30 anos de idade. Gostava da sua terra natal. Mas, assim como milhões de retirantes nordestinos fugia da seca, da fome e da falta de terra e emprego. São Paulo era o Eldorado desses jovens que sonhavam com a riqueza da cidade grande. De fato, Jason encontrou em solo bandeirante ao menos trabalho, duro serviço na construção civil. Depois de cada dia de batente pesado sentia seu corpo arrebentado. Mas ia juntando um dinheirinho que lhe permitiu, em quatro anos comprar um terreninho. Ficava longe do centro da cidade, é verdade, mas era seu e poderia, aos poucos, construir uma casa maior, afinal, a família aumentava a cada ano e logo viria mais uma menina... A quinta, fora o garoto primogênito. Com ele e a esposa seriam oito. Muita gente para aquele quarto e cozinha alugado e já bem apertado.
Jason ia ganhando cada vez mais experiência no meio da construção. Sabia onde comprar materiais bons e mais baratos. Isso o ajudou a logo erguer sua casa. E deveria ser uma grande obra. Projeto de 340 metros quadrados, com oito quartos, escritório, jardim de inverno, sala de vídeo com lareira, 10 banheiros  e tudo o mais.
E ele gostava do que fazia. Uma outra paixão era a política. Acompanhava de perto todos os lances do governo federal, na época ainda sediado no Rio de Janeiro. Era fã do presidente Getúlio Vargas e do então prefeito paulistano, Jânio Quadros. Mais tarde tornar-se-ia eleitor e “discípulo” do gaúcho Leonel Brizola. Razão pela qual se filiou ao PDT em 1980, na pretensão de conseguir legenda para concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores de Diadema, cidade da região do ABC paulista onde havia construído sua “mansão”, que haveria de ser moradia dos filhos e eventuais genros e nora.
Mas o que queria, mesmo,era ingressar no mundo político, na realidade, sonhava com uma aposentadoria de parlamentar. Dois mandatos e garantiria um salário de vereador para o resto da vida!!! Que mais haveria de querer. E, depois, essa vida de operário  se tornara por demais sacrificada, pois já sentia que não tinha o mesmo vigor de 30 anos atrás, quando chegara à cidade grande. Era hora de pensar no futuro, na velhice, de preferência que não dependesse da miséria paga pela Previdência Social... maldito INSS que ele sempre pagara religiosamente em dia, desde que chegara à Sampa. Tinha muitos amigos que se aposentaram e a história era sempre a mesma: um miserável salário mínimo que nem alimento tinha poder de comprar. E se ficasse doente? Pensava, em momentos de desespero... Era homem de fé e deixava por conta do Todo-Poderoso sua proteção. Deus não deixaria nada acontecer a ele, pelo menos enquanto não se elegesse vereador e conseguisse sua tão sonhada aposentadoria parlamentar.
Jason resolveu investir na sua carreira política. Por indicação do diretório municipal do PDT se matriculou no curso de Oswaldo Melantonio, um conceituado professor de oratória. Logo Jason já estava treinando sua verve  em todos os lugares, não perdia uma oportunidade - como jantares de Natal - para fazer discursos gesticulados para os presentes. Nas obras, gostava de falar em cima de andaimes, coordenando e incentivando sua equipe, sempre gesticulando muito e cativando a todos.
Aprendera a articular e conchavar nos bastidores do diretório. Foi ganhando prestígio ao fazer inflamados discursos, invariavelmente com citações de seu grande conterrâneo Machado de Assis, a “Águia de Haia”, como fazia questão de frisar.
Punha a mão no peito e chegava a chorar enquanto declarava seu amor incondicional a nossa terra varonil, amado Brasil... Insistia em frases de efeito, do tipo: “Está na hora de acordar este gigante adormecido”...
Chorou com a morte de Getúlio Vargas. Mais tarde ficaria impressionado com o estilo do que ele considera o maior estadista brasileiro de todos os tempos, o presidente Juscelino Kubstchek. Um homem empreendedor, realizador de grandes obras, falava em seus discursos que o país precisava de mais brasileiros assim. Se identificava com JK por este ser grande construtor. Jason acompanhou pelo noticiário cada passo da construção de Brasília, sempre impressionado com a grandiosidade e arrojo do projeto de levar o poder do país para o Planalto Central. Ouvia ou lia cada discurso de JK com muita atenção. E sonhava com Brasília freqüentemente.
Aliás, tinha um outro sonho recorrente desde que chegara a São Paulo. Sonhava quase todos os dias com uma caverna que havia em sua terra natal, Catingal, município baiano de Manuel Vitorino. Dentro dessa caverna, habitada por milhares de morcegos e protegida por um enorme dragão cuspidor de fogo, estaria escondido um enorme tesouro em moedas de ouro dos tempos do Brasil Colônia. Eram enormes dobrões de libra esterlina, roubados dos jesuítas. No sonho, tais moedas de ouro apareciam empilhadas numa mesa de pedra natural que ficava num dos grandes salões da caverna cheia de labirintos e armadilhas, no melhor estilo Indiana Jones.
Ao redor das moedas, vestígios dos saquinhos de pano que as acomodava e que haviam sido corroídos pelo tempo.
Jason acreditava na existência desse tesouro. E tinha como certo que ainda haveria de empreender uma expedição para resgatar essa fortuna.
E o tempo foi passando, a vida ficando cada vez mais dura em São Paulo. Mas Jason sonhava. E eis que, um dos seus sonhos estava se materializando. Conseguiu legenda do PDT para disputar seu tão sonhado mandato de vereador.
A tarefa não era nada fácil. Afinal, o ABC era berço do PT. Logo Jason elegeu o Partido dos Trabalhadores como seu maior inimigo. E até hoje jura, de pés juntos, que o PT roubou mais de 500 votos dos seus. O modus operandis desse “roubo”  merece um capítulo a parte. Jason assegura que viu com os próprios olhos como o PT arruinou com seu sonho de se eleger na primeira eleição em que concorreu. Eram tempos pré-urna eletrônica. A apuração manual era feita em compridas mesas, sob olhares atentos dos fiscais dos partidos. Pois bem, formavam-se duplas de apuradores rodeados por fiscais. De modo que uma urna era apurada imediatamente ao lado de uma outra. Dando uma sapeada por ali, Jason viu a maracutaia. Segundo ele, o fiscal do PT via o seu nome ou número na cédula que estava sendo apurada ao lado e, espertamente, sacava seu lápis de  quase um metro de comprimento e dali, sem sair do lugar em que estava, anulava o voto do Jason.
E foi assim, de acordo com Jason, que ele perdeu sua primeira eleição e nutriria, dali  por diante, um ódio profundo pelo partido do presidente Lula, a quem, diga-se de passagem, acha um ser debochado, “que parece rir da cara dos brasileiros nas fotos publicadas nos jornais”.
A vingança, porém, tardou, mas não falhou. Jason conta que o candidato petista que teria se beneficiado com o roubo dos seus votos naquela eleição, teria o encontrado pouco depois do pleito e dito: - Jason, só eu tirei uns 500 votos de você. Embora o petista também não tenha se elegido, Jason foi fundo na praga que rogou:
- Pois eu vou lhe ver doente, cheio de feridas pelo corpo, seu desgraçado.
Verdade ou não, Jason conta que anos depois reencontrou o sujeito todo torto, de muletas, e o corpo cheio de perebas, em pus e carne viva.
Sentiu certa pena da criatura, mas sentia-se vingado,  enfim - conta, com um sorrisinho maroto no canto da boca.
A derrota nas urnas não desanimou Jason, que a todos ostentava seu diploma expedido pelo TRE, que atestava sua participação no pleito, bem como a honrosa posição de sexto suplente do seu partido na Câmara. No fundo, Jason sabia que tal suplência não era grande coisa, afinal, deveriam morrer ou renunciar cinco vereadores para que ele enfim assumisse.
Observador atento da política nacional, Jason logo aprendeu: - por que não mudar de partido?
Ingressar em outro que lhe dê maiores condições? E foi assim que Jason se filiou ao PTB, de olho nas próximas eleições municipais.
Já candidato do PTB conseguiu patrocínio para confecção de santinhos e cartazes. Ele mesmo pintou seu nome e número em muitos muros da cidade pertencentes a amigos e correligionários. Nessa época, quase todos os amigos, filhos e demais parentes que votavam em São Paulo mudaram seus títulos para Diadema. Menos eu. Sempre gostei muito do meu sogro, mas a idéia de trabalhar de mesário num feriadão, definitivamente, não me agradava nem um pouco. Podia ajudar de outras formas...
Chegou o dia D. Vieram as apurações e... nova decepção. Ainda não havia sido desta vez que Jason atingira seu objetivo. A vida continuava e ele prosseguia carregando peso  nas obras. Era muito sacrificante, mas ainda tirava um bom dinheirinho, mesmo agora, aos 70 anos de idade. Num único trabalho que fez, um telhado, comprou um Gol 1.8 zerinho. Carrão aquele, e Jason gostava de acelerar, para desespero de quem andasse com ele no banco direito ou traseiro. Cinco anos depois fez outro bom trabalho e trocou de carro de novo, pegou um Corsa sedan zero quilômetro.
Mas Jason não estava feliz, só pensava em um dia voltar para sua querida Catingal e, quem sabe, vir a ser o prefeito da cidade, caso o vilarejo fosse emancipado. Dizia estar farto de São Paulo e tinha medo, verdadeiro pavor da idéia de morrer aqui e vir a ser enterrado no Cemitério de Diadema. Isso nunca! Preferia ser indigente na Vila Formosa a ter o melhor mausoléu naquele cemitério de uma cidade governada por petistas, como morada definitiva.
Nada mais o prendia a São Paulo. Sabia que teria saudade dos netos, certamente. Mas os filhos já estavam todos criados e encaminhados na vida. Três filhas concretizavam seu sonho de ver os filhos morando na mansão inacabada que erguera em Diadema. Da esposa, Dona Maria, já havia se separado há uns 15 anos, após 35 anos de casamento. Enfim, sentia que era hora de retornar a Catingal e, quem sabe, resgatar as moedas de ouro escondidas na caverna. Já tinha planos para espantar os morcegos, só ainda não sabia como enfrentaria o dragão, com um enorme extintor de incêndios? Pensaria nisso depois. Agora, o que interessava era sentir o ar puro do local, pois tinha certeza que sua saúde ficaria muito melhor com o calor do sertão. Começou então a planejar sua retirada em direção inversa da que fez há pouco mais de 50 anos. A primeira questão: como levar todas as suas coisas dentro de um Corsa sedan? Tinha uma idéia perfeita. Oferecer uma troca a sua filha, que tinha uma caminhonete. Negócio feito. Era só carregar o carro e cair no mundo. E foi o que aconteceu. Só que Jason ficou apenas três meses na sua terra, comprou quatro terreninhos com algumas economias que tinha e voltou para São Paulo. Seus planos eram de voltar, mas, antes, queria tratar de uma persistente dor nas pernas. Acabou descobrindo ser problema de coluna: duas hérnias de disco e um bico de “tucano”, segundo definição do médico, afirmando que aquilo já nem era bico de papagaio de tão grande. Operadas as hérnias, teve início novo calvário de Jason. As dores tinham sumido, mas a prudência não recomendava fazer uma viagem tão longa recém-operado que estava. A ansiedade era o nome do calvário de Jason. Sentia-se agora preso, querendo voar. A impossibilidade de dirigir ele resolveria indo de caminhão cegonheiro. Saía bem mais barato, e ainda era bem  mais seguro. Além do fato da caminhonete estar com documentação irregular e cheia de multas e sua habilitação estar vencida. E assim ele fez, convenceu um sobrinho caminhoneiro a levá-lo pra Bahia. E lá veio Marivaldo de Belo Horizonte com seu mercedão. Ao chegar, Jason demonstrava uma alegria incontida. Chegara o dia de partir, Marivaldo demorou uns dias porque procurou um frete pra não vir vazio pra São Paulo. E lá foram eles, com o carro de Jason carregado sobre a carroceria e escala prevista em Belo Horizonte para completar a carga com um frete pra qualquer cidade que estivesse no roteiro.
Foram 16 dias em Belo Horizonte e a ansiedade de Jason só crescia. Estava muito bem na casa de Marivaldo, mas queria chegar logo à Bahia. Enfim surgiu um frete para Itabuna e lá foram eles. Na boléia do caminhão iam conversando animadamente. Jason ia contando seu sonho do tesouro da caverna. Tudo que queria era um companheiro que com ele se aventurasse a enfrentar um dragão flamejante e centenas de morcegos para botar as mãos no ouro.
Enfim chegou a Catingal, e bem na época em que queria. Dezembro é tempo de umbu amarelinho, madurinho no pé. Aquilo, pra Jason, tinha sabor de infância. Falei com ele esta semana por telefone. Disse estar feliz, nadando bastante na represa, ou melhor, fazendo hidroterapia, como ele diz. Vez ou outra esbarrando em peixes enormes que habitam aquelas águas, alguns que nem dá pra abraçar, de tão gordos, garante. Não fosse bom de nado, teria sido engolido por um deles tempos atrás. Aliás, Jason se sente quase um peixe, desde que, anos atrás passou uma noite inteira no mar, depois que o barco de pesca em que estava virou. Nadou horas e horas naquela escuridão, salvando a si, bem como a um grande amigo português que estava junto. Não surpreenderia ninguém que o conhece se contasse que já havia passado um tempo dentro da barriga de uma baleia, feito Gepeto, pai do Pinóquio.
Agora, de volta a terra natal, o projeto de Jason é se filiar quanto antes ao PFL, partido do cacicão ACM. Costuma dizer e acho que está certo, que para ser bem sucedido politicamente, na Bahia, tem que ser do partido “do Homem”. Mas aceitaria qualquer outra legenda, menos, obviamente, a do PT.
Enfim, Jason começa a mexer seus pauzinhos pra realizar seus sonhos. Ao mesmo tempo que faz suas articulações políticas – acha que tem condições de sair como vice-prefeito na chapa de um conhecido seu, mas prefere primeiro conquistar uma vaga no Legislativo, para na próxima, quem sabe...
Jason não confia muito nesse negócio de urna eletrônica. No tempo da cédula de papel e do lápis de metro pelo menos se sabia como se faziam as sacanagens. E agora, com tudo informatizado, quem garante a confiabilidade dos resultados? E se a urna já vem com votos gravados? Quem pode garantir? Costuma repetir quando trata o assunto. Apesar das dúvidas é um democrata assumido.
Ainda quer sua aposentadoria política, claro, mas pensa também em fazer algo para melhorar  a vida dos conterrâneos, por que não?
Água de boa qualidade o povo tem e de graça, graças a uma idéia sua dada aos políticos locais há uns 40 anos. Muito antes da atual discussão sobre a transposição de águas do Rio São Francisco, Jason teve a idéia de construir um grande reservatório de água proveniente de um limpo rio local, a um nível bem acima da cidade, garantindo água para todos sem custo algum. Esse tema ele exploraria em sua campanha fosse lá pra que for. Nada tem mais valor para o sertanejo do que a água. Jason sabia disso. A maior parte da população local é que não sabia que Jason era o “pai” desse projeto. Mas saberia, era só chegar a época  de campanha. Subiria no palanque e, com toda a técnica que aprendera com o professor Melantonio, abriria os braços e bradaria com voz emocionada: - Meu povo ou povo da minha terra... citaria, obviamente, Machado de Assis, Castro Alves, ACM, Getúlio Vargas, JK, e vinha estudando algo sobre Platão, Aristóteles e Sócrates. “O povo é pobre, ignorante, mas gosta de ouvir falar difícil, mesmo que não entendam nada do que estejam escutando”, costumava dizer.
Jason tinha mesmo veia política. Não teve é oportunidade, como tantos outros brasileiros, de estudar em boas escolas, fazer uma faculdade, ou duas ou três, sua fome de conhecimento era enorme. Certamente seria um doutor no que resolvesse ser. Hoje, aos 76 anos quer apenas ser político, profissionalmente falando, pois político já é, talvez desde que nasceu.
E esse é um pedaço da história do velho Jason. Bom de papo, questionador do governo e da sociedade. Uma de suas birras mais recentes era com os empréstimos promovidos pelo governo e banqueiros aos aposentados. Achava uma tremenda sacanagem endividar os velhos, comprometendo mensalmente grande parte de suas já magras aposentadorias.
O papo com Jason se tornava ainda mais animado quando regado a cervejinhas e, vez por outra, uma cachacinha. Ele gosta muito! Um dos maiores tormentos de seu pós-operatório foi ter de ficar um tempo sem beber. Agora, na Bahia, está liberado pra tomar seus birinaites.

Estou feliz por saber que o seu Jason está feliz em sua terrinha. Mas sinto, sim, bastante saudades do velho. Quem sabe, no meio do ano que vem, vou lá, com a família visitá-lo.Quem sabe até mude pra lá, depois das próximas eleições municipais, pois ele já me ofereceu a sua assessoria de comunicação, caso eleito fosse!!!


O PAPO DO PAULINHO

Mais uma vez meu brother Paulo, amigo de muitos carnavais - do Jornal da Lapa da década de 80 e das altas biritas no Bar do Saraiva - volta a essa página. E dessa vez, se inspirou no sogrão, pai da Beth...
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