Camila Fernandes é co-autora dos livros Necrópole I - Histórias de Vampiros e Necrópole II - Histórias de Fantasmas. É iustradora e revisora de textos. Seus trabalhos de literatura transtornada podem ser lidos em seu blog, O Demo Sentado em Meu Ombro (www.demosentado.blogspot.com), e suas ilustrações podem ser vistas em seu site pessoal (www.camilailustradora.ubbihp.com.br).
Eu quero entrar em você

Eu quero entrar em você. Não importa a via, física ou incorpórea. Mas é imprescindível que eu entre. Não importa o custo. Eu preciso estar em você profundamente, uterina, latente, subreptiliana, umbilical.
Amor? Ah, não. Não pense que é amor. Talvez um subgênero da paixão, aquela que nos inspira e consome, afinal, estou aqui e escrevo a você pedaços de mim esperando que possa absorvê-los numa osmose intelectual. Só pode ser paixão. Mas também não me tome por uma apaixonada no sentido clássico: aquela que irá render-lhe homenagem, trazer presentes, jogar o casaco por cima da poça de lama e vê-la passar com frieza por sobre o seu orgulho. Ah, não. Não há nada de nobre ou generoso na minha paixão. Ela é essencialmente destrutiva. Uma paixão matadora. O único tipo que vale a pena.
Eu preciso destruí-la para compreendê-la. Que piada! Devore-me, só assim poderei decifrá-la. E talvez nem assim chegue a tanto. Devo destruí-la porque a idolatro. Porque simplesmente não a suporto. Porque você tem a genética ao seu lado e a fortuita combinação dos gametas dos seus pais construiu em você a beleza perfeita, sem pretensão nem disfarce, inconsciente de si própria. Porque a seqüência de eventos infelizes na sua curta vida a dotou de uma bagagem psicológica que faria inveja a qualquer personagem fictício. E você é real. Mal consigo crer, mas é. Sua complexidade me entorpece.Qualquer um adoraria contar uma história sobre você. Eu mesma contei várias. Devo contar esta última.
É por isso que quero entrar em você. Aí dentro deve ser o lugar mais louco do mundo. Preciso fazer parte de você como ninguém mais. Como ninguém quis, soube ou se atreveu. Preciso alcançá-la. Que seja por meio de um beijo roubado, um tapa na cara ou um segredo seu que eu conheça por não ser óbvio – algo absurdo o bastante para abalar o seu ritmo cardíaco. Sim. Um choque contra o seu pedestal. Um abalo sísmico na terra onde você é rainha. Algo que eu tenha e de que você precise. Ou algo que eu tenha e lhe empurre goela abaixo e você não saiba regurgitar. De um jeito que viole tudo o que você é – ah, sim: é fundamental que você se sinta violada. De que outra forma eu poderia legitimar minha invasão?
Quero habitar o que você é, chamá-la de meu mundo e governá-la. Sim, governá-la; para tudo o que é selvagem há um adestrador. Eu quero domá-la. Ser fálica com você. Dizer que não vai doer, mas forçar o caminho entre suas pernas e lamber seu choro. Deixar marcas dos meus dedos nas suas nádegas e uma vermelhidão de roçar no seu rosto. Não soluce, ou eu vou gozar antes da hora. E quando o gozo vier eu serei você. Terei espirrado o pior de mim no melhor de você. Terei arruinado sua beleza, feito da sua pureza uma simples pretensão, um sonho enojante e suburbano; terei definido a fogo minha presença em seus pesadelos, em seus desejos mais simples, em tudo o que sair da sua boca e das suas artes, nos seus versos e olás, na sua prosa e nos seus adeuses. Terei enxertado o que sou em você, um caule partido. O seu broto eu levarei comigo.
Assim eu serei um pouco do que você é, e você um pouco de mim, irremediável ironia, goste ou não. Mas goste um tantinho, sempre. Sei que vai. E nunca mais olharei para você. Será parecida demais comigo.


O PAPO DA CAMILA

A Camila é um terror! Minha coleguinha da coleção "Necrópole" (entrei de alegre nos segundo volume, o dos fantasmas) escreve de TUDO, mas sua especialidade é provocar calafrios em leitores incautos. Vampiros, fantasmas, lobisomens - o que vier a Camila traça, na maior elegância! Visitem o blog dela, que eu recomendo.

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