Hildebrando Pafundi é escritor e jornalista, autor dos livros "Tramas & dramas da vida urbana" (contos), entre outros. É membro da Academia de Letras da Grande São Paulo.
(*) O SUMIÇO DE TRINDADE

-- Trindade, onde está você?
Gritava a infeliz mulher, parecendo louca, ou com algum problema de deficiência mental. Trajava calça de brim preta, que cobria o sapato marrom escuro.
-- Trindade, onde você se meteu?
Voltara a berrar, chamando a atenção dos transeuntes, que começaram a prestar atenção em seus trajes exóticos: blusa fina, transparente de cor lilás, realçando o bonito par de seios, que não estavam amparados por sutiã. Envolta ao pescoço usava écharpe rosa-choque de lã, que o protegia contra o frio. Mas os seios não tiveram a mesma sorte, estavam ali arrepiados, com dois bicos negros querendo perfurar a blusa. Parecia ter saido de algum baile, desses que iniciam às vinte e duas horas e terminam às quatro ou cinco horas da madrugada; ou talvez estivesse retornando de alguma boate.
Aquela bonita e erótica visão fazia a alegria dos poucos homens que estavam na rua. As mulheres, meio sem graça, comentavam e escondiam com as mãos risinhos sarcásticos.
-- Onde será que se enfiou esse desgraçado?
Falou agora em voz baixa, talvez tentando evitar escândalo maior do que já fizera quando deu os dois primeiros berros às seis horas da manhã daquele domingo frio.
O dono da banca de jornal e revistas, Reginaldo, comentava com antigo cliente:
-- Estou neste bairro há mais de vinte anos e nunca vi essa mulher por aqui. E também não conheço nenhum morador com o nome de Trindade.
Realmente era uma situação insólita que estava ocorrendo naquele pequeno bairro de classe média, na cidade de Santo André – SP.
A mulher subia pela calçada do lado oposto ao passeio da banca, mas não muito de pressa, e de vez em quando, até parava, pensativa. Na maior parte do trajeto, ida e volta, andava normalmente, porém, falando ou gritando:
-- Por que você faz isso comigo, Trindade? Apareça, por favor.
Perguntava novamente, e quase implorava pelo seu aparecimento. E como ninguém ali, naquele pedaço do bairro, conhecia a mulher, ficava difícil saber quem era aquele tal Trindade. Talvez fosse marido, ou namorado, como também poderia ser irmão ou um filho. Sabe-se lá. A mulher aparentava uns trinta e poucos anos.
Cansada de tanto andar para baixo e para cima, sempre na calçada do mesmo lado da rua quase sem movimento, acabou sentando na guia. Alguns veículos passavam devagar, mas sem que os motoristas se preocupassem com aquela mulher.
Parecia já desanimada. Os curiosos achavam que ela desistiria, alguns até já ensaiavam apostas e outros começavam a dar palpites, sugerir as mais variadas hipoteses, quando para surpresa geral, ele apareceu.
-- Trindade! Finalmente encontrei você, seu ingrato. Onde você estava? Você me deixou bastante preocupada, sabia?
Trindade não respondeu nada. Apenas balançou o rabo para demonstrar sua felicidade.

* Este conto foi o primeiro colocado no concurso realizado durante o I Encontro Nacional de Escritores, em Bragança Paulista, setembro de 2005.


O PAPO DO HILDEBRANDO

Mais uma vez o Hildebrando, meu velho conhecido das oficinas lá de São Bernardo, dá o ar de sua graça nessa pãgina. Hildebrando é ótimo contista e gente fina, podem crer. Jornalista veterano, também é fonte de primeira para quem quiser recuperar o passado do ABC.

Voltar Subir