Um pistoleiro do agreste na cidade grande

ELE VEIO DO SERTÃO

O homem da foto é Severino Caolho, famoso matador do Piauí. Severino é cego de um olho desde 1986, quando uma bala o atingiu na altura da sobrancelha. Melhor pra ele: nem precisa fechar o olho pra fazer mira.
Severino acaba de desembarcar na Rodoviária da capital. A cidade grande não intimida Severino; é continuação da caatinga, com espigões no lugar de mandacurus. Vem com uma encomenda importante, um figurão que precisa matar. Tem o endereço e  instruções no bolso.
Pega um ônibus, desce no ponto final, toca a campainha de uma casa. Vem atender uma mocinha de avental. Ah, diz ela, o senhor é o encanador, nénão? Severino não se atrapalha e diz que  sim. Pergunta se Seu João está. Acabou de voltar do escritório - diz a empregada - mas não precisa falar com ele. Venha ver a privada entupida. É por aqui! e a empregada puxa Severino pela manga. Ele resiste, a moça continua puxando. O matador se chateia e dá um tiro na criatura, que cai dura no chão do hall... Severino deixa a moça para trás e entra na sala.
Na sala o dono da casa está tomando um uísque, mas quando vê o matador salta da cadeira. Finalmente, diz. Cadê o cheque? Que cheque? pergunta o matador, confuso. Ora essa, o cheque da minha comissão, daquele projeto de lei. O homem está furioso: pensa que vai me fazer de besta, é? quero o meu agora mesmo, senão faço um escândalo. Não sou homem de brincadeiras. Severino também não é, e lhe manda dois tiros nos cornos, fulminantes.
Vai saindo, mas no caminho encontra uma mulher toda empetecada. Ah! diz ela, é o senhor. Não entendo porque a agência demorou tanto para mandar alguém. Mandar alguém pra quê, pergunta Severino, já com a cabeça dando voltas. Ora essa, um acompanhante. Mas valeu a pena esperar, veio como pedi. Adoro homens maduros. Homens maduros pra quê? diz Severino, bestificado.  Vem pro quarto que eu já te mostro, diz a madame, com um sorriso provocante.
Dona, bem que eu queria ficar, mas não tenho tempo, explica o matador. A mulher se zanga, que história é essa? Eu paguei adiantado. Vou telefonar já pra essa agência, eles vão ver uma coisa.
Está agitada, fazendo muito barulho, e Severino não tem outro remédio senão lhe dar uns tiros para acalmá-la. Depois sai pra rua. Já é de noite, está tudo calmo no bairro. Passa pelo ponto. Lá está o ônibus em que veio, amarelinho, com o pára-choque meio torto, ainda esperando passageiro. Severino examina o seu número com atenção. É o 2223.
Oxente, ele diz para si mesmo. O número certo não era o 223? Era sim, olha aqui no papel! Peguei o ônibus errado, desci na rua errada, e acho que matei o cabra errado! Com essa bendita vista, vi um dois de menos. Preciso operar, bem que o médico aconselhou.
Ô azar da peste...
E, resignado, pega o ônibus de volta.

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