Cuidado com elas!

MALDITAS MARIANAS

Para o Guilherme Mariano

Você também odeia as Marianas? Não?
Pois eu sim. Odeio. E não é preconceito. É pós-conceito. Odeio mulheres chamadas mariana (e pra quê dignificá-las com letras maiúsculas?) porque, com elas, já passei amargas experiências.
Reconheço: as marianas não são exatamente más. São apenas insensíveis, folgadas e desprovidas da mais elementar consideração com o próximo. Aliás, na maior parte dos casos, nem reconhecem a existência do próximo.
Vocês dirão, mas como você chegou a essa conclusão? Tem fatos que sustentem sua teoria?
Isso é o que veremos a seguir.

Teoria geral e específica das marianas

Nove entre dez marianas não dão satisfação de seus atos. Nunca. Sabe o tipo de menina que bate na traseira do seu carro, quando você está parado no sinal, e já desce do veículo com cara de saco cheio? Aí você sugere, com toda educação, que ela vá com você à Delegacia fazer um BO. E ela responde, falando pelo nariz como é traço característico das marianas: “Não posso, entende? Tô atrasada pra faculdade. Não vai dar”. Você pergunta se ela tem seguro contra terceiros, e ela faz um vago gesto de enfado. Tipo: sei lá o que é esse troço!
A mariana típica exala um ar de tédio blasé que pode provocar duas reações incontroláveis no macho da espécie: a primeira é um acesso de fúria; a segunda, intimidação instantânea. No primeiro caso, assim que você der o primeiro grito, ela vai dizer (sempre pelo nariz) que você é um descontrolado, um grosso etc. Entra no carro dela (reluzente de novo) e adeus, dinheiro do seguro.
No segundo caso, você aceita, covardemente, um cartãozinho que ela coloca em sua mão, e “depois a gente conversa”. Pois sim, conversa! Nos próximos dias você ligará persistentemente para o número indicado no cartão, e a mariana jamais estará lá. A mariana saiu com o namorado, está na faculdade, no salão do cabeleireiro, no estágio, na balada; enfim, não está pra você. Depois de muito tempo e insistência, talvez você consiga falar com ela, só para ouvir:
- Olha, pára de me ligar, por favor? (ela não lembra seu nome). Que já está incomodando, tá?
- Mas você bateu no meu carro, e ficamos de acertar...
- Eu conversei com meu pai, e ele diz que eu não preciso pagar coisa nenhuma.
Adeus, dinheiro do seguro.

Ah, sim: o pai da mariana em geral é advogado.

Eu sei, você ainda está me achando implicante. Por quê, então, sempre que meu caminho cruza com uma menina assim – antipática, folgada, mimada – ela é sempre mariana? Hein? Pois eu tenho uma teoria.
Trata-se de uma questão geracional – não da mariana, e sim dos seus pais. Voltemos um pouco no tempo. Mais precisamente, à década de 60. O movimento hippie, paz e amor, as experiências psicodélicas, os Beatles, nhemnhemnhem, nhonhonnhum, toda aquela conversa que vocês já estão cansados de ouvir.
Nessa época, os pais da mariana eram jovens. Não estou dizendo que tenham sido hippies. Não obrigatoriamente. Foram, isso sim, contaminados pelo espírito da época. Por isso deram à filha o nome de Mariana, e não Ana Helena, Maria de Cássia, ou Elizabeth. Porque Mariana é um nome simples, elemental. Lembra o campo, a natureza, as flores, né? Eu diria até que é um nome ecológico. Parece musa do Chico Buarque. Ou dos Beatles. Do Ronnie Von. Sei lá.
Em suas naturezas generosas, esses pais provavelmente imaginavam que a filha passaria a vida numa fazenda, de tranças e vestido branco  comprido, colhendo flores, com fundo musical de cítaras indianas... sentiram o clima?
Simultaneamente, entraram em moda as idéias libertárias de educação. As marianas foram criadas sem limites. Repressão, chinelada na bunda – ah, não podia. Não fosse a marianinha ficar traumatizada!
Mas aí vocês dirão, não foram só elas! Foi uma geração inteira de moleques. Só que o caso das marianas foi pior. Elas foram criadas como princesas. É inerente ao nome.
Toda mariana está convencida de que é um ser especial, acima do resto da corja.
Que corja? Ora, os outros seres humanos, que existem para servir e obedecer a elas.

Modus operandi das marianas

Voltando ao carro que você bateu – sim, você bateu. Porque a mariana é um ser tão diabólico, que ali mesmo, naquele sinal fatídico, pode convencê-lo de que você  é o responsável pela batida. Realiza essa proeza com um simples muxoxo de desprezo.
Existe um terceiro desfecho para a situação. Você pode pegar o fatídico cartãozinho, ligar pra mariana, achá-la em casa e então - em vez de cobrar a despesa da funilaria – convidar a criatura pra tomar um chope.
Oitenta entre cem marianas baterão o telefone em sua cara. Com as outras dezenove vai ser pior: elas  responderão com um desprezo e nojo tão absoluto, que você ficará vários meses sem coragem de convidar outra garota pra sair. Mas... uma entre cem marianas pode aceitar o convite, dizendo que está sem programa mesmo, e deixando bem claro que não entra em bares cuja consumação mínima não seja duas vezes o seu salário. “Sem periferia”, vai recomendar, gelidamente, antes de desligar o telefone.
Você, feito um imbecil, vai. E aí, meu filho, está ferrado. Repito: eu sei. Também já passei por essa experiência...

Mariana atrasa infalivelmente para todos os seus encontros. Mariana gasta tanto tempo se vestindo, que você dorme no sofá, e aí ela fica com cara de bunda a noite inteira. Mariana não sai do carro se você não abrir a porta para ela. Nem se o carro estiver pegando fogo. Mariana tem um cachorrinho insuportável que odeia você. Mariana tem pais ansiosos que ligam nos momentos mais inconvenientes. As amigas de Mariana não entendem o que ela está fazendo com um mané como você. Ela trata mal sua mãe, seu melhor amigo, e o cachorro dele  também.
Mariana vive no shopping, e não gosta de nordestinos e de pessoas feias em geral.
Mas isso é só a versão 1.0 da Mariana. Pois existem outras versões. Por exemplo, a 2.0 leva você para ver filmes incompreensíveis com diretores de nomes impronunciáveis. Usa saias indianas, gorro de crochê, e meias pretas que colocam você em situações ridículas na hora do sexo. Ela tem um monte de amigos no PT, fez balé e estuda Letras ou História na USP. A mãe é divorciada, psicóloga e neurótica de carteirinha. E nem disfarça que acha você meio burro.
Muito provavelmente, essa versão tem um ex que vive telefonando ou aparecendo. Ou pior ainda: nem telefona nem aparece, mas a Mariana vive falando dele. Aí, no dia em que você finalmente conhece o cara, descobre que além de chato ele é veado.
E nem vamos falar na versão 3.0, que foi fazer Jornalismo...
Ah, sim, só reforçando: todas as marianas falam pelo nariz.

Mariana: um estudo de caso

Ela me liga num domingo, e me comunica que o carro pifou, está parado no meio da avenida. Um monte de gente está buzinando atrás. (Nem precisava dizer, estou ouvindo pelo celular).
Conclusão: EU preciso resgatá-la. Eu. Euzinho aqui.
- Mas não posso! Hoje tenho o almoço de Dia das Mães! Minha família está me esperando!
- Vai me largar nessa situação? Tem um monte de grosso, mal-educado aqui, gritando comigo!
- Pede pra alguém empurrar o carro até o meio-fio.
- O que é meio-fio?
Explico pacientemente.
- E aí você chama o guincho do seguro, tá vendo esse numerozinho no cartão azul, no porta-malas?
- Chamar o guincho pra quê?
- Pra levar o carro pra oficina.
- Você quer que eu leve o carro pra oficina sozinha?
- O cara do guincho te acompanha.
- Não. Nem pensar. Eu, sozinha na oficina? No meio de um monte de caras com macacão sujo?
- Mariana...
- Falando aquelas coisas que eu não entendo?
- Onde você está?
- Não sei como é que chama esse lugar... Eu vou perguntar aqui... (ruídos de vozes e risadas masculinas. Mariana voltou ao aparelho). Diz que é o Brás. Lugar horrível...
Tento me defender, explicando que o Brás não é exatamente um reduto de assassinos, que ninguém vai estuprar ela na oficina, etc, etc. Não adianta. Nunca adiantou. Ela usa aquele truque da voz gélida.
- Como assim, você não vem?
Só que, dessa vez, não vai funcionar. Vou dar meu grito de independência. Cheguei às minhas margens plácidas. Cansei de desaforo. Cansei de ser explorado, ridicularizado, esnobado. Cansei de ser intimidado pela voz gélida da mariana. Não tem minissaia que pague isso. Mesmo que venha junto com pernas perfeitas.
O Brás que aprecie as pernas. O Brás inteiro, mais os caras da oficina!
- Sinto muito, Mariana. Não vai dar.

Ela me deu o fora em dez segundos, pelo celular. Sua voz parecia vir do Pólo Sul. Se um pingüim falasse pelo nariz, diria algo parecido com:
- Tudo bem. Vou chamar meu pai. E ah, nunca mais precisa olhar pra minha cara, viu?
Foi triste. Mas foi melhor assim.
Agora, pelo menos, vou ver minha família no Dia das Mães, como qualquer pessoa normal.
Pego o carro e chego logo, não moro longe de mamãe. Em frente ao portão, toco a campainha. A empregada que me atende eu ainda não conhecia; mas não tem problema, já deve estar me esperando:
- A Dona Mariana, por favor?

 

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