Uma noite de amor :: Vânia Maria Menezes de Figueiredo

-Ora, porque não deu certo e pronto! Rosália deu de ombros e fez um trejeito de labios, pouco convincente.
-Que pena... -fez a amiga, deixando perceber uma certa acidez na voz. - Na sua idade, um companheiro até que seria bom...
-Na nossa idade, você quer dizer, não? Imagine! Vê lá se eu tenho saco pra aguentar frescura de homem, todo cheio de "maridices" logo no início do namoro... Ninguém merece!
Separaram-se as duas, encostando ligeiramente os rostos e estalando os lábios como beijos. Cada uma empurrou seu carrinho por corredores diferentes do supermercado.
- Não aguentou ela ou foi ele que não aguentou? - ia pensando a amiga, um risinho sarcástico preso nos lábios, disfarçado a custo. Intrometida ! - pensava Rosália, sem descuidar de conferir as promoções na gôndola de cosméticos (nossa, como estão caros os shampus...) - Estava louca pra saber detalhes e depois espalhar por aí... Detalhes, que detalhes? Agora, longe da outra, Rosália deixou os ombros e os cantos dos lábios caírem, desanimada. Tinha sido tão grande a esperança de que , realmente, tivesse encontrado em Chico um companheiro... Haviam se conhecido num baile de Terceira Idade, ela ficara encantada com o bom-humor dele, sua habilidade como dançarino, os galanteios que há tanto tempo não recebia. Dia seguinte, encontro no shopping. Outro dia, cinema. O namoro tinha começado.
- "Na minha casa, ou na sua? - perguntara ele, carinhoso, quando chegara o momento.
- Na minha, amorzinho... -respondera ela, dengosa. Preferira assim, podia usar seus lençóis novos, os sabonetes finos que ganhara de presente e nunca tivera razão para usar. Faria uns petiscos "light" para acompanhar um vinhozinho gelado, no momento de "depois".
Quanto tempo! - pensava, enquanto arranjava tudo para que sua primeira noite com Chico fosse um sucesso. Lembrava noites intensas que tivera antes, "abrir um sábado e só fechar na segunda", como dissera aquele safado gostoso, de vinte anos atrás. A bem da verdade, houvera um momento em que lhe passara pela mente um pensamentozinho cauteloso: -Será que eu e o Chico precisamos já ir pra cama? Isso a gente fazia na juventude, com os amores descartáveis. Agora,
quem sabe tem um jeito diferente de ir levando?
Espantou o pensamento como se fosse um mosquito incômodo e se ocupou de experimentar suas camisolas sexy, há tanto tempo em desuso. A preta lhe acentuou a flacidez do busto; a vermelha, salientava a barriga; a cor de vinho, sua predileta, tinha malditos furos de traça.
Pois bem, que fosse. Era outono, as noites andavam frias, o pijama rosa com bordados e rendinhas cairia bem, quem sabe até rejuvenescendo-a? "Tudo vale a pena..." dissera Fernando Pessoa e ela achava que, como sempre, ele tinha razão.
Não tinha. Nada valera a pena para transformar a noite em sucesso. Para começar, Chico se recusara a despir a camiseta e tirar as meias, com medo de apanhar um resfriado. Ela se atrapalhara com os botõezinhos da blusa e - merda! - esquecera de não usar calcinha por baixo do pijama. Inevitavelmente, naquela sessão atarefada de tirar ou não tirar roupa, o entusiasmo foi decrescendo, a ereção não vinha, os carinhos ficaram desajeitados, sem a esperada resposta de parte a parte. Um
desastre!
O pior, porém, tinha sido a total inexperiência de Chico. Coisa de homem viúvo que tivera um casamento certinho demais e, depois disso, não encontrara uma mulher que o fizesse praticar os melhores jogos para a cama. Aliás, se era mesmo verdade o que ele dissera, não tinha havido
nenhuma mulher. Homem que se acostuma sozinho no banheiro, não sabe depois onde põe a
mão ou a boca do jeito certo, perde de vista que agora a coisa é a dois, a mulher tem que ser bem atendida. Depois de algumas tentativas, Chico alegou ter dado um "jeito " no pesoço, estava doendo muito, será que ela teria em casa algum unguento? Rosália vestiu o pijama e foi buscar o unguento milagroso, que servia para aquele tipo de dor e para curar cavalo machucado. O cheiro do unguento
acabou de vez com as emoções já abaladas e vieram os dois sentar-se à sala para comer os petiscos e beber limonada, já que vinho gelado não combinaria com o pescoço torto de Chico.
Ainda assim, sairam algumas vezes, Chico insistiu por uma nova oportunidade de revelar seu talento, mas Rosália não se arriscou:
- Olhe que o torcicolo pode voltar! Melhor fazer um tratamento com vitamina B para prevenir.
Um dia criou coragem:
- Olha só Chico. Nós não somos mais crianças. Ou a gente continua amigos
e companheiros para sair, passear, conversar, mas sem sexo, ou então não dá!
- Como, sem sexo?! - exclamou ele, ofendido- Então você acha que eu posso passar sem sexo? Afinal, sou um homem!
Ela quase deixou escapar alguma coisa bem cáustica a esse respeito, mas preferiu desconversar. Terminaram.
Mais alívio que pesar, achou ótimo libertar-se de toda a mão-de-obra para manter um namoro em dia: depilar, maquiar, fazer pé-e-mão, tingir cabelo... Um namoro caro pois, além de tudo isso, ainda havia o investimento em lingerie, creme anti-rugas, camisinhas, perfume. Para Chico
tinha sido mais barato, bastara uma camiseta e um par de meias, já estava pronto para mergulhar numa noite de paixão.
Rosália voltou para a hidroginástica que abandonara para dar atenção a Chico. Agora estava feliz. Quase todos os companheiros da piscina tinham mais ou menos a mesma celulite e gordura do que ela, ali podia ser, sem disfarce, uma alegre senhora de sessenta anos, praticamente a caçula de sua turma. De qualquer forma, sempre restara a vantagem de poder contar a eles que tivera um namorado, provocando "ahs!" e "ohs!" de inveja bem humorada.

Voltar Subir