FRAGMENTO DO COTIDIANO :: Priscila de Loureiro Coelho

O dia hoje está bonito!
No céu azul o sol, escancarado, presenteia a manhã com um ar alegremente sadio e promissor.
Deixo meu coração pulsar desordenado, estimulado pelo convite irresistível da natureza, que a cada instante acena para mim da janela de meu escritório, desviando minha atenção de textos e idéias formatadas.
Quase perversamente, permito que minha atenção escape por esta brecha indo ao encontro dos sentimentos que a distraem.
Deixo-me vagar por entre idéias e imagens deste mundo subjetivo que me cerca...
Mundo fascinante, encantador, desconhecido! Tão instigante que provoca o desejo ardente de explorá-lo.
Por uns minutos, horas, dias, séculos talvez, nem sei, saboreio o imponderável, toco o improvável e experimento o impensável!
Ah! Fascina-me o poder da criação, o existir inexorável. Minha alma deixa-se esparramar sem resistência fragmentando-se até sentir-se parte inseparável do cosmos... Flutua entre o real e o imaginário, e neste cenário deixa-se fluir.
A desconstrução dos limites que me prendem à personalidade é uma atividade surpreendente. Permite que cada emoção, sentimento ou imagem contida no espaço delimitado do meu ser, se dilua na imensidão do infinito.
Impressionante assistir-me navegando por um oceano azul de proporções impensáveis! Como se um vão da temporalidade acolhesse minha alma e a conduzisse pela eternidade.
Aos poucos retorno a atenção para o trabalho, preciso produzir... Conservo ainda a lembrança suave do existir sem limite, que bem sei me fará companhia ao longo deste dia.
Capital e trabalho, fome e pão, desejo e possibilidade, esperança e vida! Retorno a esta dimensão assumindo minhas fronteiras. Ah! A sensação desconfortável me impõe a consciência do tempo e do espaço.
Experimento então, de modo agudo, uma terrível solidão que me faz desejar um longo abraço, que possa abrigar meus sentimentos, que acolha cada um dos meus receios e acalme o meu coração.
Olho os textos, laudas em branco, apostilas e livros abertos... Tudo incerto, tudo por finalizar.
Meus dedos correm pelo teclado, registrando frações de idéias que penso ter compreendido. Há tanto o que aprender, tanto a se perceber. Intuitivamente vou mergulhando pelos abismos do vir a ser, deixando-me guiar pela imaginação, energia que principia quando nos dedicamos a criar, brincando de viver.
Neste momento, o som de telefone me distrai novamente do trabalho. Por segundos olho para o aparelho como se fosse algum alienígena que tivesse entrado em meu escritório pela janela, enquanto estava a perambular pelo espaço...
Trim... Trim... Trim...
Atendo. Do outro lado uma voz me informa: Seu número de telefone foi sorteado. Você acaba de ganhar um curso de informática!

Voltar Subir