A Pomba :: Mário de Luca

Naqueles dias que fiquei sozinho em casa, naquela outra vida transcorrida do outro lado do mundo, faz muitos anos, costumava preparar eu mesmo meu café da manhã, assim como, frequentemente, almoço e jantar.  
 A porta da cozinha que dava numa pequena varanda ficava aberta, e dava para observar o prédio da frente, dividido daquele no qual eu morava por uma pequena rua. No prédio da frente havia o estacionamento onde eu costumava deixar meu carro.
 Ela começou estacionando na sacada da varanda, me olhando com atenção, pronta, a qualquer movimento brusco de minha parte, a voar imediatamente.  As pombas, em certos bairros de Nápoles, costumam tomar literalmente conta  das alturas dos prédios, descendo no chão só para procurar alimento.
Elas formam um exército coeso, arrogante, barulhento, que parece tirar o sarro dos humanos com sua agilidade e com seu olhar desafiante.
O verão, pois, é a estação preferida para se abandonar ao sabor da liberdade.
Ela vinha, me olhava desafiante e desconfiada, ficava alguns minutos para depois voar embora.  Com o decorrer do tempo, entretanto, ela encontrou mais coragem, e foi começar a bicar e engolir pequenos pedaços da pão que eu comecei a pôr na sacada.
Ela comia, sem por isso tirar os olhos de mim, ficava mais um pouco, para depois voar embora.  Parecia querer se exibir com sua plumagem cinza-preta, para que alguém a desenhasse em toda a sua beleza. O olhar era parecido com aquele de uma águia.
Tinha-se tornado praticamente uma simpática obrigação : todos os  dias, às dez horas, mais ou menos,  da manhã, ela estava lá, cada vez mais ousada, cada vez mais confiante. Até começar a entrar na cozinha, olhando para mim, agora, com curiosidade, com interesse, sem ostentar preocupação, quase pretendendo, com altivez, o pouco de alimento que eu dava para ela.
E assim foi por um longo período de tempo. Afinal, tinha conseguido de conquistar uma companhia, porque mentir, querida.
Até que, a partir de um certo dia, de repente, minha amiga parou de me visitar. Confesso que fiquei decepcionado, até, diria, ofendido, revoltado. Sem alternativas, porem, tive que me conformar, até, quase, esquecer.
Pouquíssimos dias depois, percorrendo a pé o trato de estrada que levava  para o estacionamento, meu  olhar foi atraído por algo que me deixou estarrecido, abalado, sem fólego. Parei para me apoiar à alguma coisa para não cair, para nãovomitar. O gelo se apossou de mim. A garganta fechou, para me impedir de estourar em pranto: no chão, logo em baixo da calçada, jazia o corpinho destroçado de uma pomba cinza-preta.

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