O Início e o Fim do meu casamento :: Márcia do Valle

O primeiro beijo no meu ex-marido aconteceu no carro, quando o sinal fechou. Assim, de repente. E antes do sinal seguinte a gente já tinha estacionado o carro e subido para o apartamento dele. Com esse primeiro beijo, eu nunca imaginaria que com o passar dos anos a gente estava fadado a fazer sexo de novela das oito. Bem calmo, close na mão de um passando lentamente pelo braço do outro. Falar sacanagem, então, nem pensar. Depois do casamento, eu já estava começando a me sentir uma evangélica, quase indo me confessar por querer fazer sexo sem fins reprodutivos. Já estava quase me conformando de que sexo era aquilo morno mesmo, que antes eu gostava tanto por pura euforia de adolescente. Gostava tanto só porque era novidade, agora não era mais. Devia ser por isso que minha lubrificação não andava grandes coisas. Talvez fosse algum problema hormonal. Melhor conversar com a ginecologista. Mas também não era nada tão grave que não pudesse ser contornado com um pouco de lubrificante comprado em farmácia. O difícil mesmo era eu conseguir me concentrar no que estava acontecendo. Quando eu me dava conta, ele estava ali, em cima de mim, enquanto eu pensava na lista da feira do dia seguinte. Alface, tomate, batata, cenoura não precisa, começou a época do morango...
Até que um dia minha mãe disse que um tal de Lucas tinha ligado para a casa dela me procurando. Eu não tinha notícias há anos do único Lucas possível. Desde a época da faculdade. Desde a época em que meu telefone era o telefone da casa da minha mãe. Antes dos celulares. Não, não podia ser ele. A essas alturas do campeonato ele também já devia estar casado e comprando lubrificante para a esposa dele. Ele também já devia ter descoberto como era sexo depois que acaba a época das descobertas. Não, não era o Lucas que eu estava imaginando que tinha ligado. Claro que não. Aliás, será que era ele que tinha ligado? O Lucas? Logo o Lucas? O que ele poderia querer comigo? Enfim, liguei para ele.

FLASH BACK DO LUCAS

Quando conheci o Lucas, na faculdade, eu tinha um carro, ele morava sozinho, e a gente achava essa combinação perfeita. A gente poderia sair no meu carro, beber alguma coisa, e quando eu fosse deixar ele em casa, subiria para "ouvir música". Esse assunto foi desenvolvido duas vezes por semana durante um semestre, na aula chata que tinha presença obrigatória. Saldo no fim do período: fomos aprovados em cristianismo (matéria obrigatória) e discutimos até a lingerie e as posições dessa noite imaginária que começaria no meu carro e acabaria no apartamento dele.
Até que um dia a gente se esbarrou fora da faculdade. Os dois bêbados numa festa. Tão bêbados que ninguém sabe quem agarrou quem, nem quem sugeriu que a gente fosse para trás dos carros estacionados, nem por que a gente não foi embora junto da festa para fazer tudo o que a gente não fez atrás dos carros, nem quem ficou mais sem jeito quando encontrou o outro sóbrio na segunda-feira. Custou até essa vergonha passar e ele perguntar se eu sairia com ele se ele me ligasse. Custou mais ainda até eu processar essa informação e responder que sairia sim. Mas só quando ele realmente me ligou é que eu me dei conta que talvez acontecesse aquela noite que a gente planejava. É, aquela que começava no meu carro o acabava no apartamento dele. E como medida preventiva, eu saí com ele de body, calça jeans, cinto e jaqueta. O modelito era quase um cinto de castidade. Como medida corretiva, eu fui embora do apartamento dele quando minha calça já estava no joelho e eu percebi que o próximo passo seria
tirar o meu body.
Muita coisa aconteceu desde esse encontro até eu chamar ele para o banheiro do sexto andar. Não, ele não foi. O sexto andar era muito movimentado, melhor o sétimo. Melhor com chantilly. Melhor com um lençol me amarrando na cabeceira da cama. Melhor mesmo era quando a gente se reencontrava na matrícula, depois de três meses de férias. Ou quando meu irmão me encontrou na faculdade e me perguntou quem era aquele meu amigo que ficava olhando para a minha bunda. Opa, claro que não, irmão.
Impressão sua.
Agora vinha essa novidade do telefonema para a casa da minha mãe. Como é que o Lucas devia estar depois de tantos anos? Será que também tinha casado? Não, não tinha. Estava solteiro e perguntou o que eu faria à noite. Nada disso, eu estava casada. E passei a noite inteira casada, ao lado do meu marido, na nossa cama de casal, olhando para o teto do meu quarto de casada e lembrando do Lucas. Como é que ele devia estar depois de tantos anos? Larga disso, esquece essa pergunta, fecha os olhos e tenta dormir. Um carneirinho, dois carneirinhos, três carneirinhos, amanhã é dia da faxineira, vou pedir para ela tirar a mancha daquela blusa, o despertador já está ligado, como o meu marido dorme pesado, acho melhor fechar um pouco a janela, por que é que eu não consigo encontrar uma posição boa para dormir, e como é que o Lucas devia estar depois de tantos anos? Tive que encontrar ele no dia seguinte para responder essa pergunta.
O Lucas estava bem, obrigada. Continuava com a mesma cara, morando no mesmo lugar, gostando das mesmas coisas e abrindo a porta para mim só de cueca branca. Pronto, descobri que sexo não era tão bom antes só porque era novidade não. Era bom porque pode ser bom mesmo. E muito bom! E bom demais! Mas o meu deslumbramento também não era motivo suficiente para o Lucas perguntar se o meu marido tinha ficado brocha.
Piadinha sem graça. Enfim, saí de lá inconformada com aquele sexo de novela das oito que meu marido gostava. Era hora de pedir a separação.

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