VAGA NA SOMBRA DO MEDO :: Isa Costa

A violência doméstica é um problema universal que atinge milhares de pessoas, em grande número de vezes de forma silenciosa e dissimuladamente. É a agressão, física ou psicológica, a que um membro da família submete o outro.
Maria era uma jovem estudante com dezessete anos. Os pais emigraram para França quando ela tinha seis anos de idade. As férias de verão eram passadas em Portugal. Quando se encontrava de férias, era com a prima que ia passear. Tinham a mesma idade, os mesmos sonhos, as ilusões próprias da adolescência.
Numa festa de amigos, Maria conheceu Ricardo. Ele tinha um metro e oitenta de altura. Cabelo castanho claro e olhos cor de avelã. Olharam-se nos olhos, e ela sentiu uma inexplicável fascinação pelo estranho, que lhe sorria. Deixaram-se levar pelo encanto e a sedução que a noite prometia. Na semana seguinte, antes da partida para Paris, Maria apresentou Ricardo aos pais, dizendo que era o seu namorado. Os namorados trocam um longo beijo.
Passaram-se alguns meses.
Maria sente uma imensa saudade de Ricardo, os pensamentos voam até ele. Está cada vez mais apaixonada! Acredita de corpo e de alma que Ricardo também a ama muito e decide casar com ele, porque na sua cabeça não restava qualquer dúvida. Convence os pais a aceitar a sua decisão e volta para Portugal, deixando tudo para trás. No mês de abril Maria casa-se com Ricardo. Está eufórica: vai finalmente realizar o seu sonho, viver com a pessoa que ama, acima de tudo, e sobretudo ser uma boa esposa.
No primeiro ano, a vida do jovem casal, vista pelos olhos dos familiares, corre às mil maravilhas. Ricardo está a cumprir o serviço militar e nem sempre lhe é possível vir a casa aos fins-de-semana. Quando estavam juntos amavam-se apaixonadamente. Formavam um casal perfeito. Avizinhava-se uma nova vida para Maria, uma vida harmoniosa com o homem que mais ama.Ricardo terminou o serviço militar.
Naquela manhã primaveril, o casal ia almoçar a casa dos pais de Ricardo. Maria está no quarto a dar os últimos retoques na maquiagem, quando o marido entra furioso e diz aos gritos:
“Olha-te bem ao espelho! A quem tu queres agradar? Pareces uma vagabunda! Desaparece da minha vista” - dando-lhe um grande safanão. 
Num ápice, ela ganhou coragem e enfrentou-o. A discussão instalou-se. Ricardo estava fora de si, e levantou a mão para Maria, ainda tonta pela inexplicável violência do marido. Esta foi, afinal, a primeira de muitas agressões tanto físicas como psicológicas.Ele tornou-se uma pessoa egoísta, egocêntrica, chantagista e sobretudo preguiçosa.Batia-lhe frequentemente, não escolhia a hora nem o momento. Ela sentia-se impotente, culpada e, no seu íntimo, carregava essa vergonha para toda a parte.Maria estava completamente indefesa, porque os pais viviam em França. Sempre que podia desabafava com a vizinha as suas penas.Esta aconselhava-a a fazer queixa do marido pelas agressões. Estava fora de questão. Maria tinha a esperança que tudo voltaria a ser como dantes.
A vizinha dizia-lhe: “Maria não tenha ilusões! Quantas vezes chorou e pediu perdão? E volta sempre ao mesmo. É uma peste!“
O casal tem dois filhos, que passaram, também, a ser mais duas vítimas nas mãos do pai. Mas a mãe está sempre presente. Defende-os com unhas e dentes. Numa das vezes em que o pai os agrediu, o filho mais velho, com a revolta estampada no rosto, e a chorar, gritou para ele e disse-lhe:
“Quando for grande levarei a minha mãe e o meu irmão para longe de ti!"
Entre agressões e pazes os anos vão passando. Por vezes fica toda marcada com a tareia que leva. Vem à rua com óculos escuros, e de blusa de mangas compridas para tapar as marcas. Maria sente-se pequenina, anulada, perante o mau feitio que o marido tem. Constantemente diz-lhe que ela tem inteligência limitada, mentirosa, dá-lhe amantes, e sobretudo é má mãe.
Invadida pelo cansaço e o desgosto, Maria pensa que a morte será o seu descanso.
Mulheres não se calem!

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