A Metamorfose :: Emanuel Campos

A primeira reação foi um susto. Entrei no banheiro apressado, tinha segurado até onde dava a minha mijada! Não queria tirar os olhos da minha guria um segundo que fosse, sabe como é início de namoro, né? Então quando entrei no banheiro finalmente, não sei por que resolvi lavar o rosto e as mãos antes do pipi-room. Abaixei na pia, molhei as mãos e vi que meu cabelo caia na agua, o prendi com os ombros, sem me lembrar que eu nunca tive cabelos compridos e molhei longamente meu resto, removendo aquela oleosidade irritante. Quando abri os olhos enfrente ao espelho, vi que o banheiro estava cheio de garotas!

Fiquei gelado, em menos de um segundo me fiz mil perguntas entre as quais: "errei de banheiro?", "por que elas não gritam?", "como que não reparei?", então olhei no espelho e quase caí morto. No lugar do meu reflexo estava uma garota, devia ter os mesmos vinte anos que eu tinha. Usava blusinha, jaquetinha, saia de jeans sujo. Linda, tirando o fato que ela era meu reflexo! Olhei para baixo já temeroso, mas o que vi apenas confirmou meus medos: que peitos enormes! Estavam na mesma blusinha e saia jeans vistos no espenho, além de um par de mules ao fim de um belo par de pernas. Aquela não era eu, não podia, não tinha lógica!

Pensei em sair correndo, mas duas coisas me impediram: eu nunca andei de mule antes, e eu ainda tinha vontade de fazer meu xixi. Fiquei desesperada, digo, desesperado. Fui arrastando os pés com a porcaria das mules impossíveis de usar, até a porta, de onde olhei para minha garota lá fora, esperando por mim, em frente ao banheiro dos homens. Oh meu Deus! Como isto era possível? Que aconteceu? Voltei à pia, via as outras garotas, isto é, as garotas dando risadinhas e apontando para mim, provavelmente rindo da minha falta de jeito com o salto. Eu só conseguia me olhar no espelho perplexa com aquela imagem. Uma garota, lindíssima ainda por cima. Ah, sim, e uma bolsa abandonada na pia, na cor da mule, claro. Um salmãozinho bonitinho mesmo, lembrava a que a Ana estava usando. Pensei de novo na Ana, com quem eu tinha vindo ao shopping.

Era a primeira vez que eu saia com aquela garota, estava excitadíssimo. Ela era do tipo patty, eu sei, mas era linda, inteligente, e estava maravilhosa com aquela botinha caramelo, combinando com a bolsa da mesma cor, bem como a jaqueta acinturadinha.

Ela era uma gracinha, vocês precisavam ver. Inteligente, uma graça no papo, tinha opinião formada sem ser uma chata, gostava e incentivava a ajudar os outros, trocava facilmente uma tarde de cinema por uma ajudando algum amigo, seja num trabalho, fazendo companhia a alguém doente, o que fosse que precisassem. Valia ouro. Nos conhecemos na faculdade, tem pouco tempo na verdade, embora eu sempre a visse pelo campus, pra lá e pra cá. Então um dia que resolvi apostar, tive a sensação que ela demorou os olhos em mim um segundo a mais que o costumeiro e ataquei: "oi?". Foi uma frase idiota, eu sei, mas pense bem, qual foi a primeira coisa que você disse quando conheceu a garota da sua vida? Geralmente algo estúpido como: "cortou o cabelo?", "sou novo aqui, quem é você?", "posso carregar seus livros?", e assim vai. No meu caso foi um "oi", que culpa tenho eu se ela não tinha livros, não fosse nova na faculdade ou coisa que valha?

Mas o fato é que era uma garota e tanto e eu estava começando a me desesperar com a idéia de perdê-la, não saber explicar que aquela gata que falava com ela era eu na verdade, ou melhor, eu era uma gata que... Ah, deixa para lá.

Como eu iria explicar para ela? Não a conhecia profundamente, isto é, intimamente. Que perguntas ela faria para confirmar minha história louca? Vi em meu novo minúsculo relógio de pulso que o tempo corria. Desisti de pensar e decidi fazer meu xixi e pensar no resto depois. Desta vez andei até o box e ví que não é assim difícil andar com este troço no pé, na verdade é bastante simples, tirando o poc-poc-poc que os saltinhos faziam no piso frio do banheiro. Lembrei da bolsa, que já ia ficando, de novo, esquecida na pia do banheiro, voltei e a peguei.

Aproveitei para dar uma nova olhada no banheiro. Vi várias garotas, em duplas geralmente, conversando, arrumando o cabelo, se maquiando, deve ser a rotina de um banheiro feminino. Eu me olhei de novo no espelho, agora com outros olhos. Vi uma garota de pele morena, cabelos claros, castanhos claros na verdade. Olhos também bem clarinhos, quase verdes. Sem maquiagem, mas com um par de brincos de pena, cobinando com um colorido colar. Eu era baixa, devia ter um metro e setenta no máximo. Magrinha, de cintura bem marcada. Usava um monte de pulseiras no braço e um interessante enfeite que lembrava uma mola no antebraço direito. Como fui ficar assim? Olhei o batente da porta, procurei câmeras e ainda tentei lembrar o que eu teria comido de diferente... Um milhão de filmes e histórias me vinham à mente, mas nada plausível, se bem que o que é plausível diante de trocar de sexo espontaneamente? Nada me vinha à mente. Novamente olhei o relógio, como o tempo havia passado, a pobre Ana estava lá fora há um tempão e de certo já estava preocupada.

Voltei ao box. Hora da segunda crise! Como as mulheres fazem com a saia quando vão ao banheiro? Isto é, a erguem e abaixam a calcinha ou descem as duas? Desisti de pensar quando senti uma dorzinha. Eu estava apertada a um tempão já, baixei então as duas e sentei. Sentei e senti uma sensação maravilhosa. Eu me lembrei de um episódio de Os Normais, onde a Vani dizia que a melhor coisa do mundo era fazer um xixi quando se estava apertada. Era verdade... fui às nuvens aquela hora. Aproveitei para explorar o meu corpo novo. Era um corpinho e tanto, viu. Podia ser impressão minha, mas olhando de cima os meus peitos pareciam enormes, de deixar qualquer homem caído. O meu pé também era bonitinho, sempre amei pezinhos, agora era dona ou dono, sei lá, de um belo par. A mule fechava com perfeição nos dedinhos lindos. Tive um comichão de ver a cor das unhas do pé, sempre tive nojo de unha do pé pintada de cor escura.

Tirei a mule e lá estavam, dez dedinhos com aquele suave verde oceano... ufa. Olhei as unhas da mão. Francesinhas, quem diria, logo eu que sempre roí as unhas. Os anéis e pulseiras eram as partes que eu mais estranhava para falar a verdade, sempre batiam uns nos outros, e faziam barulho para qualquer movimento que eu fizesse.

Abri a bolsa e procurei por uma carteira, RG, CIC, qualquer coisa que me dissesse quem eu era. Achei todos estes e muito mais. Como tinham coisas na minha bolsa. Lá estavam: Juliana Soares. O exato feminino de meu nome, hum... antigo? Bom, seja como for Juliano costumava a ser meu nome. Já posso até ver, "Jú, isso, Jú aquilo...". De resto, era minha a conta bancária, os números de RG e CIC eram os mesmo, resumidamente: as únicas mudanças eram nome e sexo! Fiquei pensando sobre como terá mudado meu lar, minha infância, meus álbuns. Como as pessoas iriam me ver?

Fiquei pensando tanto sobre estas coisas que, quando dei por mim, já tinha feito a coisa toda como se fosse a coisa mais natural do mundo, já estava na verdade na pia, acabando de lavar as mãos. Para ser sincera até, acabo de reparar que eu dou umas reboladinhas quando ando, é até difícil evitar com um salto deste tamanho, a culpa não é minha. Ajeito a blusinha, a saia, e ameaço sair. Volto, "por que não?", diz o ditado: "quando se está no inferno o jeito é abraçar o diabo". Abri a bolsa, saquei um batonzinho vermelho, e passei, da forma mais prendada que pude. Uma graça! Ponho a bolsa no ombro e saio, com cuidado de não rebolar muito, a primeira coisa que sinto em meu caminhar é um vento inédito em certas regiões, coisas da saia de certo. Só depois lembro que mesmo estas regiões "ventadas" me são inéditas.

O shopping parece diferente. Deve ser psicológico ou coisa que valha, mas meu pensamento mesmo está diferente. Duo uma boa olhada ao redor. Vejo a Ana e ela pára seu olhar em mim. Que será que ela pensa? Será que ela também foi afetada por minha mudança, tal qual meus documentos, RG, CIC, e tal? Arrisco:

- Oi?
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