Telita :: David Oscar Vaz

Quando Júlio entrou em casa, não ouviu a esganiçada voz do rádio, mas notou, não sem certo prazer, que a lâmpada do corredor de entrada havia queimado. Telita tinha se esquecido de colocar uma nova e Júlio já tinha um bom motivo para brigar com ela. Deixou a pasta no sofá e estranhou o silêncio. A cozinha estava limpa e deserta, os pratos guardados e os panos ordenados nos ganchos em prontidão. Júlio teve um leve sobressalto de pressentimento e sobre o aparador encontrou a carta:
“Finalmente criei coragem.
Adeus, Júlio.
Estou indo embora com seu irmão.”
Por alguns segundos apenas olhou a carta; depois, teve que se sentar. Leu de novo o papel, e três, quatro vezes... Aquela frase final, concluiu Júlio, foi acrescentada depois, e este acréscimo era um ato semelhante ao de incendiar navios empreendido por Cortez quando invadiu o México. Estou indo embora com seu irmão era a certeza de que não poderia haver volta.
Júlio levantou os olhos, percorreu com a vista em volta, os móveis todos calados, e sentiu-se só como há muito tempo não se sentia e... sorriu.
- Finalmente!
Andou pela casa, foi até o quarto, passeou pela lavanderia, tudo estava asseado e em ordem, como quando eram recém-casados e ela queria demonstrar o seu amor nas pequenas coisas do lar. Júlio voltou para a sala, se escachou no sofá e depois de mais uma vez olhar para o nada e sorrir, ligou a TV. Zapeou por aqui e por ali; depois, bem mais tarde, sentiu fome. Foi à cozinha e encontrou seu prato no forno, coberto com outro e envolto com um asseado paninho de linho branco. Não esqueceu Telita sua última obrigação, pensou Júlio sorrindo: o picadinho de que ele tanto gostava. Voltou com o prato para a sala, a comida estava muito boa. Uma pegadinha do Malandro e riu alto. Depois arrotou satisfeito.
Telita queria dividir a casa, imagine! A casa era só dele, e pronto! Olhou para o prato com um resto de comida, depois olhou para uma parede, onde estava um Jesus e uma Nossa Senhora, depois para outra, onde estava ele e Telita no dia do casamento. Suspirou fundo, tudo lhe dava a sensação de posse. Voltou os olhos de novo para o prato. Sentiria saudades da comida preparada pela mulher preparava, apenas disso. Júlio comera demais e sentia uma leve queimação. Imaginava Telita cortando as cebolas, ela tinha muito capricho na cozinha. Se Júlio imaginasse melhor compreenderia que o rompimento anunciado na carta, que estava agora ao lado do prato, era mesmo definitivo. Nunca Telita cozinhara com tanto amor; com que cuidado moera bem fino os vidrinhos da lâmpada do corredor e acrescentara como tempero, o seu mel do melhor, ao picadinho do marido.
E o cheiro... ah, o cheiro estava tão bom!

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