Amor de Cama :: Aluisio Aderaldo Martins Rodrigues

Aninhavam-se como fazem os casais, displicentemente. Alheios aos sonhos, mui particulares e excludentes entre si, deitavam suas cabeças tête-à-tête, poucos centímetros separavam uma da outra, quase siameses ligados pelas frontes, tendo que compartilhar da mesma casa de brinquedos, contudo com peças com impossíveis encaixes. Deitados assim, de ladinho, como gostavam de falar num tom meloso, logo após escovarem os dentes - primeiro ela, lenta e irritantemente. Ele a esperar sua vez, fingindo paciência, convencionalmente. Formavam arcos perfeitos e côncavos, pois não eram gordos, quiçá roliços. Com os joelhos ousavam leves toques. Se vistos por cima, poderia até se dizer que desenhavam sobre o lençol de seda vermelha um singelo coração. O que seria um acinte para ela tal comparação, tão intelectual que era. Não! Diria, categoricamente. Piegas! Concluiria, arqueando a boca bicuda para a direita e para cima.
Desta forma, utilizavam-se como fazem as feridas para com os band-aids. Protegiam-se contra os bisonhos e sanguinolentos seres noturnos. Sim, impreterivelmente e todas as noites, deitavam colados logo que o escuro se anunciasse pelos tenebrosos assobios que varavam as frestas.
Desimportava, se durante o dia, as desavenças tivessem ultrapassado o limite do que se poderia chamar de respeitável a qualquer condição (humana ou não). Ainda que, no auge das emoções, a violência tivesse rasgado todas as vestes do pudor, ali, trocavam, quase harmoniosamente, oxigênios e monóxidos de carbonos: vida. Nessas horas, confabulavam: poderíamos viver mais cinqüenta anos. Sim. Obvio que sim, amorzinho... E, antes que o sono os petrificassem em posição de igualdade, viravam, com a sincronia de um ballet aquático, para os extremos opostos da cama.
Os arcos, agora convexos, pareciam asas. Ambos voavam.
Ele cerrava os olhos e não se perdoava por não ter se juntado à Maria do Socorro. Menina gentil, inteligente e cheia de boas maneiras. Além do mais, admirava-o exatamente pelo que ele era. Sem tirar, nem pôr... Fora a última frase de Maria do Socorro, dita de joelhos e com lágrimas a correr-lhe as faces, quando implorava pelo seu amor. Ah! Bendita Maria...
Ela, de olhos arregalados, perguntava-se porque Bernardo a trocara por aquela loira oxigenada e fútil. Sem, contudo lembrar-se que antes dele, de Bernardo, e mesmo do seu primeiro homem, já se achava traída pelo pai que optou pela sua mãe. Aquela gorda e estúpida...

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