Mais vale um abduzido na mão do que dois ETs em disco voador...
E.T. PHONE HOME
Ariovaldo foi raptado por seres espaciais. Ou seriam especiais? Não; pensando bem, de especiais não tinham nada. Só fizeram o básico, o trivial simples. Levaram Ariovaldo pra nave, implantaram um chip no seu cérebro e o obrigaram a transar com um monte de mulheres aliens - umas verdadeiras barangas, segundo ele.
Depois Ariovaldo foi devolvido à sua vida pacata de contínuo de repartição, com  crediários atrasados, mãe chata, cunhado chato, chefe chato, time na segunda divisão. Mas para ele tudo tinha mudado. Começou espalhar sua história, e logo ganhou fama de maluco em todos os lugares - todos, menos a Internet, onde como todos sabem só dá maluco mesmo.
Foi na Internet que Ariovaldo conheceu um grupo muito legal, os Internautas de Varginha, assim chamado por ter se conhecido nessa misteriosa cidade mineira. Como todos sabem, Varginha foi escolhida como local de pouso por seres extraterrestres interessados em conhecer melhor a raça humana, o doce de leite, o queijo de Minas, sei lá. Os Internautas de Varginha se encontraram numa colina próxima à cidade, dividindo cobertores enquanto esperavam que os E.Ts voltassem. Embora os aliens não aparecessem naquela noite, o grupo de ufólogos fez amizade; e ao voltarem às suas cidades de origem, passaram a trocar informes e opiniões sobre ufologia na Net.
Os Internautas de Varginha achavam o relato do rapto de Ariovaldo um dos mais convincentes que já tinham ouvido. Só que eles não chamavam de rapto, chamavam de abdução.
Convidaram Ariovaldo para uma reunião na casa do presidente da sociedade, Luiz Augusto, para os íntimos Lulu. A mulher de Lulu também era ufóloga; ruiva legítima, cheia de curvas estonteantes. Chamava-se Soraya. Tinha sardas e fazia beicinho.
(Ariovaldo nunca fora chegado às magras, porque, como costumava dizer, quem gosta de osso é cachorro.)
Os Internautas de Varginha ouviram com ar compadecido toda a terrível  aventura de Ariovaldo com os ETs. Pediram pormenores, Ariovaldo respondia com presteza e segurança. Fora raptado num campinho de futebol da Vila Gustavo, logo depois da partida semanal  com o pessoal da repartição. Suas lembranças da estadia na nave eram nebulosas, mas tinha uma idéia aproximada da aparência dos aliens: corpo fino e translúcido, cabeça enorme, olhos de formiga. Não falavam, apenas emitiam uma espécie de guinchos. Mas eram telepatas naturais.
E a operação, alguém perguntou, como foi?
Sem anestesia, disse Ariovaldo. Fiquei acordado o tempo todo.
Um arrepio percorreu o grupo. As pessoas olhavam para o chão. Alguém foi buscar uma cerveja. Ariovaldo terminou sua narrativa, contando que ficara na nave alien pelo menos um mês; entretanto, ao ser depositado de volta no campinho de várzea, olhou o relógio e viu que apenas alguns minutos tinham se passado.
- Normal - explicou o cientista do grupo - Os aliens subvertem o contínuo espaço-tempo.
Várias pessoas acenaram com a cabeça, com ar entendido. Normal.
- E o chip?
- Bom... só me incomoda em dias de chuva.
Depois o grupo se dispersou para comer sanduíches. Ariovaldo ficou conversando com a dona da casa, a ruiva Soraya. Ela queria detalhes sobre seus contatos com as mulheres aliens. Perguntou se elas por acaso tinham... bom, enfim, você sabe.
- Não sei dizer - disse Ariovaldo, modestamente. - Pra mim elas pareceram  satisfeitas.
A partir daí os Internautas de Varginha espalharam a história de Ariovaldo em tudo quanto é lugar, incluindo prestigiosas publicações de ufologia. Ele foi convidado a vários congressos e eventos, para dar seu depoimento. Viajou pelo país inteiro, com passagens e estadias pagas pelos prestimosos Internautas de Varginha, que entendiam as dificuldades financeiras do pobre abduzido e se cotizavam para ajudá-lo.
Já o chefe de Ariovaldo não era tão compreensivo. Irritado com as constantes faltas do contínuo, acabou demitindo-o a bem do serviço público.
Nesse momento nosso herói ficou numa situação difícil; e após alguns meses sem contribuir para as despesas de casa, acabou sendo expulso pelo cunhado chato acima referido.
Mais uma vez, os Internautas de Varginha se solidarizaram com ele. Inclusive Lulu lhe ofereceu sua casa, onde podia contar com a amável hospedagem da ruiva Soraya, sua esposa. Ariovaldo, comovido, aceitou a oferta.
Os Internautas de Varginha estavam indignados com a demissão do seu protegido. Alguém propôs um processo trabalhista - não só para indenizá-lo, como também para chamar a atenção para o problema social dos abduzidos. Outro membro do grupo teve uma idéia genial:
- Processo trabalhista fica anos se arrastando e não chama a atenção de ninguém. Acho que devíamos fazer outra coisa.
- O quê?
- Pedir a aposentadoria do Ariovaldo pelo INSS. Invalidez. É óbvio que ele não tem condições de trabalhar, depois do que sofreu.
- Eu me sinto péssimo mesmo - concordou Ariovaldo. - A ruiva Soraya, disfarçadamente, apertou sua mão.
Mais ativos do que nunca, os Internautas arranjaram um advogado, deram entrada no processo e chamaram a imprensa. Os jornais e revistas, que andavam sem assunto, adoraram a idéia. Publicaram entrevistas com Ariovaldo, todas um pouco distorcidas, é verdade, mas o que se pode esperar da imprensa? Como disse um membro do grupo:
- Sei não, mas quando leio essas reportagens, tenho a impressão de que estão caçoando do Ariovaldo...
Já a televisão foi mais séria. Ariovaldo apareceu num talk-show do horário da tarde, e lá foi interrogado por um entrevistador barbudo, que ouviu sua história com "ahs! e "ohs!" de admiração. Não demorou muito o  ex-contínuo foi convidado para outra entrevista, essa no horário nobre. Coroou sua carreira aparecendo no "Fantástico", numa matéria com sonoplastia de cordas ao fundo, bem misteriosa.
Dias depois, foi convidado a ter seu próprio talk-show, especializado em abduções, paranormalidade, terapia das vidas passadas, essas coisas. Iria ao ar no horário da tarde.
O talk-show foi o auge da carreira de Ariovaldo. Mas não durou muito. Logo no começo, o diretor de fotografia implicou com as orelhas do rapaz. Eram enormes, ficavam horríveis no vídeo. E depois, como entrevistado Ariovaldo era melhor do que como entrevistador. O programa, em vez de misterioso, ficou chato. Logo em seguida houve um corte de custos na emissora... Ariovaldo dançou.
Os Internautas de Varginha estavam prontos para ajudá-lo, mas nesse momento aconteceu algo que desviou sua atenção. A ruiva Soraya foi abduzida na saída do cabeleireiro. Foi devolvida, mas já foi avisando assim que chegou:
- Eles me estupraram!
Alguns meses depois dava à luz um garoto de enormes orelhas. Todos, inclusive o marido, ficaram impressionados. Só podia ser filho de ET. Foi a vez da ruiva Soraya  ser convidada para diversos talk-shows, onde explicou, em lágrimas, que apesar de tudo amava seu filho. O pobrezinho não tinha culpa de ser extraterrestre.Ariovaldo ficou esquecido. A grana da TV foi acabando e ele teve de arrumar um emprego bem mixuruca, de atendente de videolocadora. Na frente da videolocadora ficava uma loja de animais. A loja era cuidada por uma moça que lhe lembrava um pouco a ruiva Soraya. As mesmas curvas insinuantes... Todo dia, de manhã, ela trocava a água e a comida dos passarinhos, e colocava suas gaiolas à frente da loja.
- Topa almoçar comigo, meu bem?
A moça disse a  Ariovaldo que tinha namorado, e mesmo que não tivesse, será que ele não se enxergava? Não tinha espelho em casa?
Ariovaldo esperou a moça sair. No fundo da loja de animais ficou só um balconista semi-adormecido. Pouquíssimo movimento na rua. O calor era de matar. O abduzido conferiu a data na folhinha. Arrumou suas coisas, fechou a videolocadora. Atravessou a rua, abriu as gaiolas e libertou todos os passarinhos, um por um.
- Detesto bicho preso.
Eles que fossem voar. Quanto a ele, tinha um compromisso urgente, marcado há exatamente um ano. Olhou o relógio. Se pegasse logo o ônibus, em duas horas chegaria ao campinho da Vila Gustavo. Os ETs estavam esperando, não podia se atrasar.
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