Ela podia ser Amélia. Em vez disso, acabou em pizza na Rua Augusta...

CARLA MARGHERITA

A FASCINANTE JORNADA DE CARLA MARGHERITA RUMO AO CENTRO DO UNIVERSO,
(LOCALIZADO NA ESQUINA DA AUGUSTA COM FERNANDO DE ALBUQUERQUE)

Com nome de pizza napolitana,
e purpurina verde nos olhos,
Carla Margherita pratica na Rua Augusta,
a mais tradicional das profissões.
Percorre a calçada de minissaia
mostrando suas pernas quilométricas
vestida em sua cor predileta:
amarelo-ovo.

Mas nem sempre foi assim.
Carla Margherita já teve casa no interior.
Dentro da casa, moravam um homem (seu marido)
e duas crianças (seus filhos).
Carla Margherita era esposa e mãe exemplar.
Aliás, exemplar sempre foi. Desde pequena
Seus pais diziam, essa menina
É um modelo. Modelo não de top model, não!
Modelo de garota comportada, ajuizada, obediente
A preferida das freiras do colégio
Da titia e da vovó.

Carla Margherita recebeu a melhor educação,
E também muita repressão.
Mamãe explicou que moça direita
Não faz certas coisas.
A não ser, é claro
Depois de casar.
Mas Carla Margherita cresceu
E ouviu coisas diferentes.
Todo mundo dava.
O namorado a chamava de reprimida.
E pedia uma prova de amor,
Aí,
Carla Margherita deu
A prova de amor.

E engravidou.

Pobre Carla...
Teve que casar
E deixou todo mundo chateado,
Inclusive as freiras, a titia e a vovó.
Seu futuro brilhante – elas disseram
estava arruinado.
Carla Margherita não queria decepcionar ninguém.
Nem a família, nem o marido, que logo descobriu
Ser um tremendo babaca, do tipo
Cerveja, sofá e televisão.
Fazer o quê? Ela foi à luta.
Estudou à noite, com muito sacrifício.
Deixava o filho na casa da mãe, que dizia
Você apronta, e eu seguro o rojão!
A Carla sorria amarelo...
E saía de fininho no seu Gol.

Depois Carla arranjou um emprego
De funcionária pública, tadinha.
O chefe a enchia de serviço - e promoção, nem pensar.
E Carla descobriu as alegrias da dupla jornada...
Mesmo assim ela se esforçava,
Pra ser uma mulher modelar.
Por exemplo: se o filho pedia brinquedo,
Ela corria pra comprar.
Tadinho do menino, né? o dia inteiro sem mãe, e ainda não ganha presente?
Com uma infância tão triste - pensava Carla - mais tarde vai se revoltar.
Chegava em casa às seis,
Fazia o jantar, dava banho nos filhos
E ainda recebia a sogra
Que vinha pra criticar.
Ela dizia que Carla Margherita
arruinara a vida do seu filhinho!
E o filhinho, esparramado no sofá,
parecia concordar.

Outra preocupação de Carla: conservar a estética,
A beleza, a aparência, a linha, essas coisas,
pro marido não reclamar.
E olhem que era um mulherão!
Lia todas as dicas de sexo da "Nova"
Mas ficava um pouco confusa:
Uma matéria mandava tomar a iniciativa,
Outra dizia pra ser recatada...
Senão o cara se assusta.

A família a essa altura já reconhecera,
Que Carla tinha um grande coração,
Pois cuidava dos pais quase sozinha
Lembrava do aniversário da sobrinha,
E aos domingos, adivinha,
Quem fazia a lasanha da mama?
Era a Carla.

Era sempre a Carla.

A Carla ia ao banco,
A Carla levava o cachorro pra passear,
A Carla chamava o encanador,
A Carla ia visitar a titia e a vovó no hospital
A Carla ia à reunião da escola
A Carla levava as crianças pras festas,
A Carla tirava segunda via, comprava, lavava, esfregava, varria, ajeitava, cuidava, trabalhava, ouvia bronca do chefe...
(E a tal promoção, nem pensar).
E à noite - olha só - a Carla ainda tinha que trepar!

Foi num dia em que a enceradeira quebrou,
O cachorro ficou com virose,
O filho trouxe um boletim medonho
O chefe mandou fazer hora extra
A irmã folgada brigou com o cunhado
E veio se instalar na sua casa
Bom, pessoal, foi nesse dia
Que a Carlinha surtou.

Carla Margherita levou todas as malas.
Não deixou nem bilhete pro marido
Nenhuma explicação.
Claro que depois, alguém descobriu,
O seu endereço e nova profissão.
Uma comissão da família foi formada,
Pra salvar a honra da Carla Margherita.
Mas ela mandou o pessoal lamber sabão.

Eu não sei porque a Carla tomou uma atitude tão precipitada
Assim tão irracional,
Eu diria até meio drástica,
Vocês não acham não?
Mas pelo menos hoje ela é feliz

Carla Margherita sempre sonhou em dormir até tarde,
Sem ouvir o maldito despertador...
Hoje dorme quanto quer.
Carla Margherita nunca mais vai lavar tapete,
Nem ouvir conversa da sogra.
Nem passear cachorro,
Nem fazer bolo pra vovó e pra titia.
Tudo isso acabou!

Mas...

Ultimamente, ali na Fernando de Albuquerque,
as meninas andaram pensando
Em fundar uma associação
Pra defender os direitos
Das trabalhadoras do sexo,
Sacou?
E Carla já se comprometeu:
Vai ser presidente honorária
Distribuir panfletos,
Falar com a imprensa
E marcar as reuniões.
No dia da primeira, aliás, as meninas,
Encerraram a conversa agradecendo,
A gentil participação da presidente,
E o cafezinho, que francamente,
Estava uma delícia!
E Carla, muito modesta,
Abaixou os olhos
E sorriu.

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